9.6.05

Apolo

O cheiro do asfalto selvagem molhado, e da dama-da-noite despudorada, me trazem sua presença.
Lembro do primeiro olhar.
Você caminhando num sentido, e eu no outro. Esbarrei, derrubei seus papéis, pedi desculpas, um café no bar próximo em sinal de paz.
Um olhar.
O rubor.
Meses de amizade supostamente desinteressada.
Um dia, você me confessou sua confusão. Vi seus pelos se arrepiarem ao meu toque àspero. Desculpe, são mãos de homem...
Sentimentos atropelados, bons amigos jantando, dedos tocando de leve as pontas de outros dedos.
Nunca mais esqueci seu rosto de anjo, seus cachos perfeitos. A curva da boca ao tocar na taça, o sorriso maroto, meio de lado, dentes brancos e força de caráter estampada na cara.
Beijo forte, amor violento, um estupro consentido.
Foi sua maneira de extravasar a raiva, e chorar depois, da maneira que só homens choram, soluços vindos da alma.
Me perdoa, meu amor, mas não posso....isso doeu mais do que a violência no corpo, mais do que os dentes na carne .
Caminho pela noite. Virei sombra. Insone e bêbado.
Vejo, pela fresta na cortina, sua mulher e filhos, morenos como você, anjos.
Talvez o Deus dos Mares me deixe ficar, ou talvez os Deuses do Monte me aceitem de volta...
Não sou mais Apolo. Não tenho mais nada.

Roberta Nunes
09/06/2005

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