29.6.05

quero, como sempre, ver as estrelas no céu da sua boca

26.6.05

Domingo

Ontem, fui abatida em combate.
Combate verbal, literário, histórico, obsceno.
Duelo titânico.
Amei meu oponente.
Me entreguei a ele em prosa e verso.
Rimei meu corpo.
Fiz dele minha pauta.
Umedeci as roupas com palavras e promessas.
Em breve,
o combate corporal.

Roberta Nunes
26/06/2005

25.6.05

Fóssil

Enquanto caminhava pela rua, dei de cara com uma rachadura no asfalto.
E meu coração se partiu, pois eu entendi que nem tudo é perfeição.
E você, que me enchia de sol, se foi.
Colei aquele tecido balinês na janela da cozinha, pra filtrar a luz.
Me beija, amor, e marca a contra-capa da minha vida com a sua dedicada dedicatória.
Cacos de som nas ondas do meu dia-dia, e lembranças coladas com cuspe.
Amores catados na praia, e conchas jogadas aos porcos.
E vejo a rachadura aumentar e engolir minha fantasia de Batman...
Recordações de aulas de geologia, origens das rochas
e fósseis aprisionados nelas, melhor sedimentares.
Prender sua pegada na minha sala,
Seu sussurro na minha orelha eternamente rouco,
Sulcos e sucos do seu corpo pra sempre na minha cama.
Te beijo no copo de tequila, e o sal é seu.
Não, não vai demorar pra ficar bêbada, e me sacrificar aos deuses
Pra te ter aqui.
te beijo.

Roberta Nunes
25/06/2005

23.6.05

Caminhando ao sol

De sobretudo preto, e óculos escuros
Cachecol roxo para combinar com o sol do meio-dia
A música louca das rotinas
Martelando seus acordes aliens no meu walkman
Reverberando notas acústicas pelas artérias
Plugando guitarras...
Mas não é de música que falo
É de amor
Sobre o toque, e virar do avesso, e mordidas na nuca
E novamente os bandolins
Hoje o dia não está pra poesia
E acho que nem pra prosa
Sempre pra rock'n'roll
destoando de tudo o mais ao redor
E pedra que rola
pedra que havia no meio do caminho
Primitiva e sedimentar de origem qual, mesmo?
Aprisionando fósseis vivos
Selvagem, me fazendo lembrar de outros tempos
E amor incondicional, intrusivo
ígneo e absoluto
Uma música diferente, explosões misturadas às buzinas
aos gemidos e baterias eletrônicas
Música e dança e tremor de terra e avalanche e caminhões
Tarde fria

Roberta Nunes

11.6.05

Pedra

E sigo, nessa loucura de vida.
Viajo nos seus lábios, e gozo na sua saliva.
São beijos de febre, como li uma vez Álvares de Azevedo no colégio, e não te conhecia ainda!
Te tenho na pele, como uma das minhas tatuagens, a primeira.
Faço de você minha pedra fundadora: não existia nada antes.
Em delírios e beijos, e convulsões, imagino seu corpo despido, de roupa e pele, caminhando para mim, sua voz vindo, dizendo que me ama...
Despida do pudor, ouço o som das ondas, e ouço Cure, e penetro nas sombras do seu desejo.
Deixo de ser, para estar. E assim caminho.
Te dou o que não tenho, e faço o que me manda, e me ajoelho para receber seus sacros mandamentos de amor.
Seus olhos iluminam meu dia? Não sei.
Ouço bandolins no sol da manhã.
Meu amor me leva para terras loucas, onde poesia é servida no café da manhã. E Marquês de Sade no jantar!
E amo com profundidade, com totalidade.
Faço do meu útero um templo, que recebe libações e sacrifícios, e tomo no meu corpo seu corpo que é meu.
Sua língua é meu punhal, que penetra em mim com verdades que não revelo, nem assumo.
Me banho na pureza e na imperfeição do seu prazer.
Te levo comigo, seu cheiro na minha roupa, seu gosto em mim.
E, assim, caminhamos.

Roberta Nunes
10/06/2005

9.6.05

Devassa

Devassa.
Ouvi esse elogio uma vez. Entre quatro paredes. De quatro, claro.
Eu gosto de palavras pesadas naquela hora. É, na hora do enrosco, do vai-vem controlado de propósito, descontrolado em seguida.
Mas essa palavra me deixou encafifada.
O que é, exatamente, uma pessoa devassa? Será que é uma que gosta de ser chamada assim, enquanto está fazendo um boquete?
Tá, eu sei. Assunto malhado. Mas não pude evitar. Andei lendo "O retrato de Dorian Gray".
Até que ponto a devassidão, a luxúria, a busca pelo prazer podem corromper um ser humano? Quando ele ultrapassa os limites de outro ser humano, prejudicando, incitando, influenciando? Quando alicia soldados para hordas de libertinos...?
Fico confusa.
Sempre falo de amor, e prazer nas pequenas dores. Sempre falo de desejos secretos de sanguinolência e perversão. Acredito na beleza, e vivo para buscá-la, nem que seja nas sarjetas. Acho Sisters of Mercy poético. Vozes roucas falando sobre putrefação e despedidas.
E, ainda assim, acredito na pureza das almas. Acredito na sinceridade das pessoas. O mal pode ser belo , desde que seja sinceramente mau.
Me senti trespassada. Era realmente uma lança que me atravessava o corpo naquela hora. Fechei os olhos, e gozei como nunca.
D-E-V-A-S-S-A.
Cuidado.
Oscar Wilde pode ser terrivelmente venenoso, venoso, venéreo.
Plástico, sintético, ofensivo, modismo.
Foi paixão na certa.
Roberta Nunes
18/05/2005

Apolo

O cheiro do asfalto selvagem molhado, e da dama-da-noite despudorada, me trazem sua presença.
Lembro do primeiro olhar.
Você caminhando num sentido, e eu no outro. Esbarrei, derrubei seus papéis, pedi desculpas, um café no bar próximo em sinal de paz.
Um olhar.
O rubor.
Meses de amizade supostamente desinteressada.
Um dia, você me confessou sua confusão. Vi seus pelos se arrepiarem ao meu toque àspero. Desculpe, são mãos de homem...
Sentimentos atropelados, bons amigos jantando, dedos tocando de leve as pontas de outros dedos.
Nunca mais esqueci seu rosto de anjo, seus cachos perfeitos. A curva da boca ao tocar na taça, o sorriso maroto, meio de lado, dentes brancos e força de caráter estampada na cara.
Beijo forte, amor violento, um estupro consentido.
Foi sua maneira de extravasar a raiva, e chorar depois, da maneira que só homens choram, soluços vindos da alma.
Me perdoa, meu amor, mas não posso....isso doeu mais do que a violência no corpo, mais do que os dentes na carne .
Caminho pela noite. Virei sombra. Insone e bêbado.
Vejo, pela fresta na cortina, sua mulher e filhos, morenos como você, anjos.
Talvez o Deus dos Mares me deixe ficar, ou talvez os Deuses do Monte me aceitem de volta...
Não sou mais Apolo. Não tenho mais nada.

Roberta Nunes
09/06/2005

1.6.05

Tapetes da vida...

Hoje, acho que fui cruel.
Direta demais. Incisiva demais.
Ele disse adeus.
Eu disse foda-se.
Leva a porra do tapete com você.
Não tomo vinho, a garrafa virou caco na calçada do vizinho.
Prefiro conhaque. Gosto pior, ressaca pesada. Desperta os sentidos.
Acorda pra vida, cacete!
Limpar o sangue desse maldio tapete...
E as marcas do colchão.
Seu cheiro carunchado.
Pelos grudados no sabonete.
Camisetas de rock, panos de chão.
Último volume, Siouxie, baby...
Garrote na garganta,
e chuveiro pingando.
Mãe, de onde vem o trovão?
Mãe, porque o sangue é vermelho?
Seja luar, meu amor.
Espalhe-se pela noite.
Escorra pelo ralo da banheira,
e corra pelas sarjetas.

Roberta Nunes
01/06/2005