19.10.09

Carta sua, de amor


Um texto meio antigo.
Mais um exercício erótico.
Eu acho.
Foi escrito para uma coletânea que, acredito eu, não rolou.
Não importa.
Boa leitura!


Quase não pude conter as lágrimas.
Li e reli sua carta.
Uma centena de vezes.
Duas centenas.
Milhares.
É estranho o peso que a palavra escrita de próprio punho tem. A letra arredondada, o corte no “t”, o pingo no “i”, o “m” parecendo suas nádegas redondas.
Sua letra corrida, apressada, como se tivesse que correr atrás das idéias antes que elas lhe escapassem.
Mordi a língua para conter o soluço.
E a imaginação, impregnada de memória, viajou pra longe.
Fechei os olhos, e fui até você.
Sua voz macia, trespassando meu coração. Seus pelos, arrepiados ao meu toque, as pernas lindas, me prendendo numa máquina de tortura, dor e prazer.
A carta, impregnada do seu perfume, me transporta direto para seu ventre liso, seus seios pontudos, suas costas macias, suas orelhas quentes.
Aperto suas nádegas, e afundo meu rosto nos pêlos, púbis, nome lindo!, selvagens, úmidos.
Seu sexo arfante, pulsante, incendiário.
Meus dedos percorrem as linhas escritas e penetram na umidade e calor da vulva viva.
Vejo suas bocas abertas pra me receber, e ouço seus sussurros, vejo as línguas vermelhas serpenteando, me chamando, implorando pelo arrebatamento, por mim.
Sinto seu aperto, e o ar à minha se move em todas as direções.
Meu corpo não respira ar, só aspira o vapor que emana do seu suor, sua essência.
Meus lábios beijam a folha de papel, e minha língua se enrosca na sua, e sinto seus dentes.
A saliva é como a água num oásis no meio do deserto, um néctar doce de frutas, sem o qual não há vida.
A maciez dos lábios, carne, fluídos abundantes, sangue.
A língua, sabida e lasciva, perigosa,
Os dentes, meus e seus, que nunca deixam de morder, e os sangues que sempre inundam nossos beijos.
A boca, manchada e molhada, como num bolero antigo, volta a percorrer o corpo, cada canto e fresta, cada dobra e poro, canta ponto e cada vírgula.
Vejo essa mesma boca manchada e molhada, de sangue e batom borrado, repetindo, murmurando as palavras da carta de amor, de saudade, de veneno:
“... não posso suportar sua presença.
Sua essência é a morte.
Sua saliva tem gosto de perdição.
Tomo a loucura num só gole, emborco a taça da sua insanidade.
Odeio as rendas e sedas com que você me acorrenta e amordaça na sua alcova.
Não gosto da poesia que você desperta em mim, e, no entanto, não sei fazer outra coisa a não ser lirismo e sandices.
Meu útero está gelado.
Minha vagina está vazia e seca.
Não sei viver sem a umidade, aquela onde você escorrega, e me afoga...”
As suas sutilezas deslizam pelo papel, páginas e páginas delas.
Páginas de amor.
Páginas de beijos insanos.
Linhas intermináveis, sua boca ávida e faminta, ali, descrita com tanto furor a paixão.
Minha boca sedenta, acompanhando meus olhos incendiados.
Olho pela janela um instante, e vejo uma lua pálida, e noites vazias.



Roberta Nunes
Santo André, 07/12/2007.
16h10 – horário de verão

3 comentários:

  1. Ro, sensacional!!!
    Quente, quente, quente!!!
    Muito bom, amiga, vou começar uma campanha para vermos lançado um livro seu o mais depressa possível!
    Beijos e parabéns

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  2. Nossa Roberta. Bem legal!!!!

    Adorei, a cnarrativa vai ficando meio claustrofóbica...hehehe...da hora, curto muito textos que afetam os sentidos.

    :0)

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  3. Puxa eu tinha postado um comentário aqui e aparentemente não foi.
    Eu havia dito que este tipo de texto não me apetece mas ele está muito bem escrito!!!!

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