5.8.09

Corações Petrificados

Cheguei na cidade no começo da madrugada, naquele horário que não tem ônibus pra lugar nenhum e você é obrigado a pegar um táxi, bandeira dois, claro, ou entrar num bar e esperar o dia amanhecer.
Óbvio que, sem pestanejar, fui de cara na segunda opção.
O bar no centro, aberto à noite, putas e bêbados-patrimônio, só podia ser daquela qualidade duvidosa que tanto me agrada.
Vi o balconista matar uma barata gorda e nojenta com o mesmo pano que ele enxugava uns copos.
Ri.
Pedi uma cerveja, long neck, pra não precisar de nenhum copo e me sentei numa das mesas do canto, de frente pra porta.
Um antigo hábito.
Automaticamente, uma puta horrorosa, que devia ser prima-irmã da finada barata, se sentou e começou com o papinho de sempre.
Não sei se foi a cara dela, ou as pernas sujas de sangue seco, a banguela, ou ainda, o cheiro de bueiro, que me causaram náuseas.
Eu já devia ter me acostumado, mas existem coisas que ninguém, mas ninguém mesmo, se acostuma.
Aquele tipo de degradação era uma delas.
Dispensei a aberração e me concentrei na minha cerveja.
De repente me dei conta de que a noite seria longa, pois um sujeito enorme, fedorento e sem os dentes da frente (mais um!), colocou umas vinte moedas na jukebox, e mandou ver um disco inteiro de forró-putaria!
Manda um conhaque, garçom!
Um copo seboso e trincado, e deixa a garrafa aqui na mesa...
Aqueles taxistas que não conseguiram pegar nenhum otário, sentados ao lado de policiais-comedores-de-coxinha e, entre uma dose e outra, riam juntos da tal lei seca.
Rostos.
Rostos esverdeados à luz fluorescente.
Cadáveres que riam e bebiam e cantavam.
Não havia nada ali.
Não havia vida, nem esperança.
Só desespero e solidão.
E morte.
O retirante desdentado, a puta-barata, barata aos vinte anos, os policiais semi-alfabetizados, os taxistas gordos e com problemas de colesterol, o balconista sonolento, e eu.
Um bando curioso.
Circo de aberrações.
Nada diferente de centenas de milhares de outros bares no mundo.
Milhões de antros onde os infelizes e patéticos sacos de carne podre, enquadrados nos livros de biologia do primário como “superiores por terem inteligência”, generalizados como seres humanos, envenenam suas veias, seus fígados, suas almas.
O desfile de corações petrificados.
Finalmente, as fichas da máquina acabaram, e pude ter um vislumbre do paraíso, materializado no silêncio.
Me levantei e coloquei uma nota. Não sabia ao certo o que escolher. As opções também não eram das melhores. Resolvi me sentar e deixar que a puta escolhesse.
E ela foi, saltitante como uma criança que ganha um balão colorido.
Pra ser sincero, não sei o que era quilo, se era música ou um novo método de tortura saída direto do inferno.
Me limitei a sorrir e erguer a garrafa de conhaque num brinde tosco, e matei o resto numa talagada só.
Bêbado.
O dia estava amanhecendo e eu tinha que ir.
Pra onde?
Sei lá!
Só caminhar.

Roberta Nunes
05/09/2008

Um comentário:

  1. Seria um prazer ver o eclipse em um bar sujinho e com essas figuras divertidas mas, recomeçam minhas aulas de baixo, e eu estou dando aulas particulares, quinta e sexta feira...
    Sabadones somos nozes, escolhe um lugar diferentão pra gente ir!
    beijo.

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