23.1.08

Cirurgião

Vou cutucando aqui e ali, abrindo buraquinhos com a ponta de um bisturi cego, que encontrei na sarjeta.
E vou abrindo esses buraquinhos com pinças enferrujadas, e fuçando lá dentro como faria um cirurgião-barbeiro do século XV.
A pele, deliciosamente elástica, se abrindo, lasciva, aos meus dedos curiosos e desesperados.
As coisas se acumulando nos baldes e bacias ao meu redor, folhas soltas, um pôr-do-sol, aquele dia na praia, os ruídos de uma cidade ao amanhecer, a pestilência de um sorriso cansado, a maldita prosa que insiste em ser poesia, manca e corcunda, a virgindade perdida sabe-se-lá-onde, você.
E, quanto mais eu penetro (vai, com força!) naquela podridão, os vermes também surgindo, e sem se incomodar com a minha intromissão, me convidam para o baile e, depois o banquete.
Perfeitamente!
Enquanto o fel, escorrendo das feridas abertas, empoçando no chão.
Enquanto o sangue, coagulado e talhado, feito queijo negro, prato principal dos vermezinhos gordos.
Enquanto as fezes, acumuladas há séculos, empesteiam o ar.
A puta parada ali, no canto, rindo da sujeira respingada nas paredes e teto, e dos meus braços, lambuzados até os ombros.
Seu riso desdentado e a baba verde, virulenta.
Seus olhos vazios e as meias rasgadas.
Seu ventre vazio e a alma rasgada.
A espectadora (escárnio?) dessa dissecação sacra.
Busco o prazer nesse seu ânus arregaçado, puta, já com as pregas arrebentadas pelo meu estupro contínuo.
Ah! A antiga viscosidade ainda lá, bem no fundo...
O prazer da areia entrando pelos poros.
E meu gozo lá, nos seus intestinos.
Minha porra quente bem onde você sempre gosta mais, e grita mais alto, a puta de olhos vazios.
Me passe agora, sua vadia, a linha e a agulha, pois preciso costurar os retalhos de mim mesmo, e depois beijar essa sua boca, escancarada num grito mudo e perpétuo.
E limpe essa sujeira.


Roberta Nunes
23/01/2008

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